Adães Bermudes

Arnaldo Redondo Adães Bermudes, filho de Félix Redondo Adães e de Cesina Romana Bermudes, nasceu no Porto, a 1 de Outubro de 1864. Frequentou a Academia Portuense de Belas Artes e, em 1888, ficou em primeiro lugar no concurso, promovido pela Academia de Belas Artes de Lisboa, para obtenção de bolsa de estudos no estrangeiro. Já em França, para além de ter sido aluno de Escola de Belas Artes de Paris, estagiou no atelier de arquitectura de Paul Blondel. Na Cidade Luz expôs os seus trabalhos de arquitectura no Salon. O arquitecto evidenciou desde muito cedo o seu gosto pelas formas manuelinas.

Adães Bermudes transformou-se, pois, em profícuo e ecléctico arquitecto, cuja obra foi merecedora de inúmeros prémios, dos quais se salientam a 2ª medalha na Exposição do Grémio Artístico, em 1894, as medalhas de ouro e prata na Exposição Universal de Paris, em 1900, o prémio Valmor, em 1910, a 1ª medalha da Sociedade Nacional de Belas Artes, em 1911, e as medalhas de honra e ouro na Exposição Internacional do Panamá-Pacífico, em 1915.

Foi um dos arquitectos mais activos em prol do património arquitectónico. Como representante nacional, assistiu ao 6º Congresso Internacional de Arquitectos realizado em Madrid, em 1904. Elaborou o relato conciso das doutrinas e princípios formulados nas sessões relativas aos vários temas tratados, entre os quais se contava a conservação e restauro de monumentos e a recuperação de elementos arquitectónicos do passado.

Dirigente dos Serviços do Ministério das Obras Públicas encarregado das obras em monumentos e depois da reestruturação orgânica ordenada pelos governos republicanos, Adães Bermudes teve uma longa carreira dedicada a esta área já ao serviço da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), nunca deixando de parte a sua carreira de arquitecto, de inegável valor, a nível da concepção de imóveis, estatuto condigno que alcançou pelo seu traço e pelos seus projectos.

O arquitecto portuense participou também em concursos públicos de arquitectura, tendo recebido, em 1896, o seu projecto para construções económicas em Lisboa, Porto e Covilhã o primeiro prémio. De igual modo, ganhou o primeiro prémio para projetos-tipo de escolas primárias do país, tornou-se Director das Construções Escolares, como é o caso da antiga escola Primária de Colares, conforme consta em notícia publicada no Correio de Cintra, em 25 de Outubro de 1903: «O architecto Sr. Bermudes deve vir brevemente a Cintra para tratar d’esta importante obra».

Ainda em Sintra, Adães Bermudes foi autor de dois dos mais emblemáticos edifícios do bairro novo: os Paços do Concelho e a Cadeia Comarcã, inaugurados na Festa da Primavera, em 13 de Junho de 1909.

Do seu vasto e premiado currículo destacou-se, para além da obra sintrã, algumas outras construções que se tornaram paradigmáticas e definidoras das próprias paisagens urbanas em que se inserem, designadamente, em Lisboa, a ampliação do Museu Nacional de Arte Antiga, o novo edifício do Instituto Superior de Agronomia, e sobretudo o monumento ao Marquês de Pombal — este em parceria com o arquitecto António Couto e o escultor Francisco dos Santos — o qual ganhou o concurso em 1917, que só viria a concluir-se na década de 30.

Nas palavras de Ana Tostões, Bermudes era um autor multifacetado que «aplicando uma expressão ecléctica beaux-artiana (apenas confirmava) a diversidade de expressões habitualmente manipuladas». Diversidade que está também patente em inúmeros cargos públicos que desempenhou ao longo da sua vida. Foi regente na Escola de Belas Artes de Lisboa, e na qualidade de vogal da Comissão dos Monumentos Nacionais, do Conselho Superior de Instrução Pública, visitou, juntamente com os arquitectos Ventura Terra, Alexandre Soares e Rosendo Carvalheira — conforme notícia dada à estampa pel’ O Concelho de Sintra, em 23 de Março de 1912 —, os trabalhos de «demolição das casas em frente do histórico Paço de Cintra (...) representando para esta vila um importantíssimo melhoramento, que foi o ínicio de um vasto projecto que em poucos anos foi realizável, e colocará Cintra à altura da justa fama que lhe dão as suas bellezas naturais». O arquiteto assumiu, igualmente, cargos políticos, onde foi vogal e presidente da Comissão Administrativa do Município de Lisboa e Senador independente na sessão legislativa de 1918-1919.

Apesar de nascido no Porto, Adães Bermudes extasiou-se com as belezas deste cadinho da finis terra, acabando por fixar residência na sua Quinta da Saibreira, em Paiões, onde faleceu em 1947.

Pode-se então afirmar que, Adães Bermudes moldou de forma irreversível a fisionomia sintrense do século XX, nomeadamente ao estabelecer, com os seus edifícios revivalistas, indelével união entre o velho burgo romântico e aristocrático, com a desenvolta Estefânia, democrática e progressista. Após a inauguração da via-férrea Lisboa-Sintra, Sintra sofre importantes alterações no seu tecido urbano, sobretudo na impossibilidade de a própria vila vir a ganhar mais terreno à Serra, o que conduziu à edificação de um novo bairro relativamente afastado e denominado de Estefânia, em homenagem à princesa Estefânia de Hohenzollern, mulher de D. Pedro V.

Já em 1894 surgiu a intenção de se erigir um novo estabelecimento prisional, pois o existente situava-se em pleno centro da vila, junto à Torre do Relógio, e oferecia aos transeuntes um espectáculo horrendo, enquanto que aos condenados lhes impunha condições pouco dignas. Quanto aos Paços do Concelho, impôs-se a necessidade de se construir uma nova sede concelhia. O executivo camarário, presidido por Virgílio Horta, deliberou, numa óptica futurista, aproximar a Câmara do novo bairro da Estefânia que crescia sob o signo do progresso. São os ventos de modernidade que acompanhavam a viragem do século XIX para o XX, que não se compadeciam, já, com a idiossincrasia do antigo burgo sintrense, entalado na própria Serra, nem, tão pouco, com as insuficiências oferecidas pelo velho edifício dos Paços do Concelho de D. Maria I (de finais de Setecentos), muito menos com a degradante cadeia existente em São Martinho — é a conjuntura regeneradora de fin de siècle — apropulsionar o crescimento de Sintra num outro espaço.

A construção da Cadeia Comarcã e a dos Paços do Concelho fazem parte integrante do progresso geral dos melhoramentos para Sintra, ao nível dos edifícios públicos. Assistiu-se, portanto, à deslocação do centro económico-social e civil, que obrigou também à transferência das principais entidades administrativas e exprobratórias.

Para a construção optou-se por um lugar acessível, quer para a Vila Velha, quer para o burgo da Estefânia, passando o burgo a estar mais disperso. A “Vila Nova” moderniza-se, enquanto a “Vila Velha” permanece com um estatuto próximo do “Centro Histórico”. Se a esta bipolaridade, urbana se acrescentar (facto atrás referido) de estar a “Vila Velha” fortemente cerceada de se expandir fisicamente, melhor se entende a deslocação do eixo da vila para um novo centro, o que não implica forçosamente uma hierarquização dos dois núcleos, mas certo é também que o peso que ambas possuem no global da urbe, constitui uma reestruturação de um espaço.

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